Duas da manhã na Praça Verde do Dragão do Mar, irreconhecível graças à enorme estrutura, que envolvia todos sob um teto branco, e as cadeiras de plástico espalhadas pelo gramado. O show está uma hora atrasado e já se ouve as palmas do público, pouco em número, mas com espírito de multidão em estádio de futebol. Lá na frente do palco, no meio, se destaca um grupo: jovens que, à primeira vista, não devem ter atingido os 18 anos, com figurinos que se perdem no limbo entre o indie, o emo e um cover do Fresno. De repente eu percebo que estou mesmo tendo crises de velhice prematura e aquela é a Juventude Fortalezense.
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Uma palavra sobre Fortaleza: nós somos uma cidade, até certo ponto, sem horizontes (mesmo com esse mar todo). Na verdade, todo mundo que conheço que anda nessa cidade há uns seis anos ou mais está completamente cansado dela. Três, no máximo quatro, lugares para se ir onde encontramos absolutamente todo mundo. É sério. Uma olhada no mapa e enxergamos a cidade-arquipélago: um punhado de ilhas cool cercado por oceanos de periferias anônimas. Não sei se Fortaleza tem uma “cena”, mas com certeza tem um circuito. Feito aqueles autoramas.
E não tem pra onde fugir, quem faz isso da cidade somos todos nós.
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Agora, sobre a Juventude de Fortaleza. Você os reconhece em qualquer lugar: seres sociais (só andam em grupos) e abraçativos, antenados com a haute-culture pop e a nova modinha das pistas. Presos entre rádios ruins, televisão péssima e uma identidade cultural que parece se resumir a falar putaria e dançar forró, esses intrépidos jovens buscam sua identidade e escapatória na antropofagia cultural. Devoram um pouquinho de cada estilo produzido pelo mundo. Estatisticamente, são 50% indies, 50% wannabe, 50% rockers e 50% emotivos. Também são (somos?) adeptos da cultura do quase: quase-cinéfilos (“Juno é o filme da minha vida!”), quase-literatos (“Caio F. toca meu coração!”), quase-melômanos (“Amarante é o melhor guitarrista do Brasil!”).
Assim sendo, podemos dizer que a Juventude Fortalezense é vítima do mesmo mal que matou o punk-rock: cultura de nicho. Afinal, porque fazer seu próprio som, montar suas próprias festas, perfurar seu próprio piercing de mamilo quando a Indústria Cultura está aí pra isso, produzindo música independente, roupas descoladas, cultura underground? Pois é.
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Meu Deus, acho que acabei de criar um estereótipo. Que emoção. (#EuTambemSouJornalista)
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Voltando para o Mombojó, os caras tiveram ótimos momentos no palco. É o quarto show da banda que assisto em Fortaleza e com certeza foi um dos melhores (perdendo só pro primeiro). Marcelo XXX liberou o botão das distorções e deixou o peso das guitarras encorpar muitas das canções, entre outras pequenas e saudáveis alterações de arranjo, talvez inevitáveis depois de quase 9 anos de estrada. “Casa Caiada”, aliás, única música nova tocada, ganhou uma relevância inédita com uma turbinada rock’n’roll empolgante. China, que cantou duas músicas antes de pegar o bastão com Felipe e mandar uma de seu próprio repertório, foi um auxílio luxuoso que só me deu mais vontade de ver um show solo do cara. A interação com o público foi total, todas as pequenas deixas em canções como “Adelaide” foram apropriadas e cantadas alto pelos presentes, além da participação especial do nosso amigo Dançarino Contemporâneo que, com o aval de Felipe S., coreografou duas canções do show (o que merece um post aparte), até o apoteótico final com levas de fãs subindo ao pequeno palco e terminando a noite com a sempre catártica “Deixe-se acreditar”.
foto: Keka ou Vivi ou Márcio
Na verdade, esse deve ter sido um dos shows mais fáceis da carreira do Mombojó. A banda já subiu no palco com jogo ganho, com direito a coro mais alto que a banda e tudo o mais. E por isso a apresentação foi tão sintomática. O Mombojó, aparentemente, ocupou o lugar que já foi de bandas como Los Hermanos e Teatro Mágico: algo entre o pop e o indie que congrega paixões e obsessões da Juventude Fortalezense. Porque esse Juventude não consome música, mas a devora, digere ao seu modo e a vomita como identidade (dá-lhe Baudrillard).
Claro que isso não é uma coisa necessariamente ruim. É só uma constatação. Entre o experimentalismo da colcha de retalhos rítmica e a veia pop de canções facilmente auto-identificáveis, o Mombojó tornou-se uma das grandes bandas nacionais. E a experiência de assistir uma apresentação dos caras ainda é algo que beira o terapêutico; afinal, quem não vê a si mesmo na letra de “Realismo Convincente” ou sente uma estranha satisfação gritando a plenos pulmões (como em “A Missa”) que “todo mundo vai morrer”? E assim a banda entra naquele estranho limite adolescente onde religião e música se misturam das formas mais extremas. Me pergunto o que isso significa.
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foto: Keka ou Vivi ou Márcio
Mas daí veio o final do show. Montes e montes de fãs invadiram o pequeno palco à frente do palco principal e, contrariando os guardas e mesmo o cantor, pularam gritaram, cantaram e quase derrubaram a estrutura toda. De repente (porque não existe outra maneira de sentir uma coisa assim) acho que tudo o que pensei e escrevi até aqui é pura bobeira. Ou não. De qualquer forma, muda a pergunta: será que o problema está com a Juventude Fortalezense ou com a Velha Guarda?
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O que, você leu até esse ponto esperando alguma conclusão? Então escreve uma, ué, e deixa aí nos comentários.
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por Márcio Moreira